domingo, 22 de março de 2015

Prezados visitante, 

obrigado pela visita!

Esse blog conta, resumidamente, as partes mais importantes dos treinos e do Ultraman Florida 2015.
Recomendo a leitura na ordem cronológica:

Os preparativos

As preliminares

Natação 

Ciclismo - 1o. dia

Ciclismo - 2o. dia

Corrida

Caso queira fazer qualquer comentário ou entrar em contato, lobueno@gmail.com .

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domingo, 22 de fevereiro de 2015

Terceiro dia - Corrida - 84,4 km

Acordar antes das 5 da manhã para correr 2 maratonas não é exatamente o melhor programa de domingo, pelo menos para 99,99% da população desse planeta. Para os 39 atletas e suas respectivas equipes de apoio não poderíamos pensar em um programa melhor! Após dois dias de "aquecimento" com 10 km de natação e 423 km de ciclismo nada mais natural do que uma ultra-maratona! 

Mais uma vez entramos na "Rock´n´Roll Van" rumando para a região de Clermont, bem próximo da chegada do dia anterior.

A escuridão era total ao chegarmos no local de largada. A temperatura era bem mais razoável que nos dias anteriores, algo em torno de 13 graus e pouco vento, uma excelente temperatura para correr, ou pelo menos para iniciar uma corrida.

Eu sempre tive a impressão de que quando eu fiz os Ironmen estava em uma condição física capaz de aguentar os dois primeiros dias de um Ultraman, já o terceiro dia... acho que nem metade! Com as minhas características e limitações físicas eu diria que 90% dos treinos dos 16 meses anteriores foram feitos para suportar o terceiro dia e completar as duas maratonas em menos de 12 horas. A corrida tem sua dose própria e única de crueldade, bem diferente e muito pior do que a natação e o ciclismo, sua conta, cobrada ao final, é muito mais alta devido ao impacto muito maior do que as outras disciplinas do triathlon.

Nos chamaram para fazer um círculo e darmos as mãos, assim como antes da largada do primeiro dia, Dessa vez tinha bastante espaço para que as equipes de apoio ficassem por fora do círculo, todos os que estavam nos acompanhando desde o primeiro dia, muita gente especial! A vibração de toda aquela energia positiva era demais, aquele instante pareceu ficar congelado e passou bem devagar, em câmera lenta. Mais uma vez a diretora da prova fez uma prece e nos desejou uma boa prova. Mais uma vez o coração apertou e meus olhos ficaram cheios d´água, aquele dia seria o teste final, nunca estive tão feliz e apreensivo em uma prova de triathlon ao mesmo tempo, características de uma prova de vários dias e várias largadas!

Energia positiva transbordando

Aos poucos fomos nos alinhando, ainda tudo muito escuro, uns poucos com lanternas. Apesar da lua nova ainda era possível ver o bastante do percurso. Todos finalmente a postos, mais uma contagem regressiva, 10, 9... 1, GOOOOOOO!!!

O primeiro passo dos 84,4 km



O percurso do segundo dia está no link http://ridewithgps.com/routes/6873062

Largamos em uma leve descida. Com muito cuidado para aquecer bem e não fazer nenhuma besteira estabeleci um ritmo leve.

No km 3 veio a primeira subida curta e mais inclinada, logo depois de um semáforo, lugar que tinha passado de bike no dia anterior. Alguns começaram a andar e eu também, quase uma marcha atlética. Dosar bem a energia era a principal estratégia para chegar até o fim.

O início da corrida foi muito bom, as vans faziam uma festa a cada competidor que passava, botavam o som alto, gritavam, faziam tudo o que podiam fazer para nos incentivar.

Decidimos que eu correria sozinho nos primeiros quilômetros e depois de estabelecer um ritmo mais consistente, sem a ajuda ou influência de um pacer, alguém da equipe começaria a correr comigo.

Depois de 4,5 km, já no primeiro trecho de terra, a "Rock´n´Roll Van" apareceu. Já comecei o reabastecimento com GU Brew e gel a cada 30 minutos. Logo depois o Guilherme desceu da van e iniciou seu turno de pacer.

Devagar o dia foi amanhecendo e algumas paisagens fantásticas foram sendo reveladas. Com o tempo de 1 hora atingimos a marca de 8,7 km, apesar do terreno acidentado a projeção era de completar a prova em um pouco menos de 10 horas. Bem tranquilos continuamos a longa jornada daquele dia. Passamos por cima da Florida Turnpike e quando olhamos para o lado direito da estrada estávamos acima das nuvens, nice view!

Muita beleza no início do dia...
... enquanto isso muitos quilômetros nos esperavam!

Estávamos em um grupo mais ou menos no mesmo ritmo com o Arnaud e o Miguel, dependendo do ritmo eles nos passavam ou nós os passávamos.

No km 10 veio uma descida gigante, desci andando, ainda "pisando em ovos" e evitando qualquer impacto extra, estava cedo para atacar as subidas ou despencar nas descidas. Seguindo o conselho do amigo e grande incentivador Prof. Rogério Aviani: "Ultraman é devagar e sempre!"

Eu e o Guilherme, irmão e capitão do time de apoio, conversávamos sobre qualquer coisa, desde as casas que passávamos até piadas sem graça do mundo do petróleo (ambos trabalhamos na Petrobras). Valia tudo para manter o clima descontraído, apesar de muita atenção ao percurso e o ritmo.

Após uns 10 km ao meu lado o André assumiu o posto de pacer enquanto o Capitão foi descansar na van.

O Capitão do time no fim do seu primeiro turno

Eu e o André cruzamos a linha da primeira meia maratona em 2:26', Steve King estava lá narrando nossa passagem, era sempre bom vê-lo e ouvir sua voz pois era sinal de mais uma parcial que completávamos. Uma pergunta não saía da cabeça: "Como ele arranja assunto para falar tanto?" Qualquer hora que passávamos por ele, lá estava o microfone, a caixa de som e ele falando, falando, falando... Andávamos a cada abastecimento, que estava acontecendo a cada quilômetro, aproximadamente. A estratégia de gel a cada 30' e uns goles de GU Brew a cada quilômetro estava funcionando muito bem. Comia algo sólido a cada hora, uma barra energética ou um pão com geléia.

Lá pelo km 26 uma surpresa. Sarah e seu marido, uma maratonista hardcore (daquelas que acorda 3:30 da manhã pra correr) amiga dos Baylor que eu havia conhecido 4 dias antes, estavam me esperando com cartazes e dando a maior força. Foi bom demais ter essa surpresa!

Sarah no km 26 dando a maior força.

Passamos por mais alguns trechos de estradas de terra. Nesses trechos, o zelo da equipe era tão grande que o André escolhia por onde eu ia correr, escolhendo para mim sempre a parte menos acidentada e mais plana da estrada. Quando eu digo que é a melhor equipe do mundo não estou de brincadeira!

Lá pelo km 28 tirei a camisa de manga comprida. A temperatura já passava dos 20 graus e o manguito + camisa de compressão eram o bastante.

O André correu comigo até o km 31, quando a Carol assumiu caminhando no meio de uma subida para dar uma força. Ao chegar no fim da subida os meus pais e com a Patty e o Dave Baylor nos alcançaram de carro. A Carol entrou na van e passou para o Dave o posto de pacer.

Dave é o "Mr. Marathon Man", com mais de 20 maratonas no currículo, muita disposição e bom humor para encarar os perrengues de qualquer prova que aparecer.

Com uma torcida dessas fica bem mais fácil de manter o sorriso e chegar ao final.

Entre os quilômetros 31 e o 41 além da companhia da equipe de apoio tivemos bem de perto a torcida dos meus pais, a Patty Baylor, a Sarah e seu marido. Um verdadeiro batalhão de gente. Que somava às outras equipes dos atletas que estavam por perto como a Jessica, o Edwin e a Fiona. Passamos pelas margens do Lake Minneola, um dos trechos mais bonitos da prova. O sol já dava sinais de que não ia perdoar, a Carol em uma das caminhadas para reabastecimento tratou de passar protetor solar e eu coloquei a capa de "legionário" no boné.

Terminando o trecho próximo ao Lake Minneola.

Com 5:05' cruzamos a marca da primeira maratona. Lá estava Mr. Steve King mais uma vez narrando a prova e nos desejando boa sorte. A projeção para o final ainda estava na casa das 10 horas e eu estava me sentindo bem e satisfeito com o rendimento. Tomando bastante cuidado onde pisava para minimizar o impacto e mantendo a alimentação prosseguimos no mesmo ritmo. Apesar de ainda faltar 42,2 km agora a contagem seria regressiva, uma forma de jogar com a mente para não desanimar e parar.

Mr. Marathon Man e eu cruzando os 42,195m

A partir do km 44 entrei forte no Red Bull, só com o isotônico e o gel eu estava no limite e com todo aquele calor e o desgaste de já ter corrido uma maratona exigia algo um pouco mais forte.  Comecei tomando meia lata a cada 2 km e senti o nível de energia melhorar bastante.

No km 45 alcancei os brazucas Diogo Menegaz e Renato Valler. Foi muito bom reencontrá-los e pegar carona na torcida das suas equipes de apoio. Diogo parecia estar com as pernas meio travadas mas lutava com garra para seguir correndo.

Dave parou para "manutenção" e o André assumiu um pouco antes de entrar na US-27. Uma estrada com pista dupla e um canteiro no meio, o que dificultou um pouco o trabalho das equipes de apoio. Para remediar isso o André correu o tempo todo com uma garrafinha de isotônico na mão. Logo na primeira subida da US-27 passei um dos atletas exausto e sentado na cadeira que a equipe de apoio dele tinha providenciado, paramos para dar umas palavras de incentivo e continuamos no sobe-desce da US-27.

Uns 5 km depois saímos da highway para um trecho de terra, eu já tinha corrido ali na segunda-feira anterior. Era um trecho onde a estrada era cercada de laranjais e com subidas curtas e inclinadas. Apesar de curtas, depois de 54 km correndo qualquer subidinha é uma ótima razão para dar uma caminhada e tomar um isotônico ou um red bull gelado.

Estava quente demais, a temperatura chegou a 28 graus e estabilizou nesse patamar até o final da prova. Tanto frio nos dois primeiros dias e tanto calor no dia mais puxado, São Pedro realmente não quis deixar as coisas fáceis para nós. Os treinos em Macaé na hora de almoço a 35 graus foram excelentes para suportar aquele inferno.

No km 55 o pessoal encharcou com água gelada do cooler ao meu boné, aproveitaram a minha camisa reserva e fizeram o mesmo e botaram nas minhas costas. Fizeram isso até o final da prova, a cada parada. Para ajudar a regular a temperatura foi muito eficiente!

Com o apoio do UltrAmigo faltando 25 km para o final.
Alguém falou que na Flórida não existem subidas e descidas?

No Ultraman existem cortes na etapa de corrida, é obrigatório completar a primeira maratona em um tempo menor que 6 horas e também completar os 63,3 km em menos de 9 horas.

O último corte, dos 63,3 km, eu passei com 7:44'. Foi um alívio muito grande estar com toda aquela margem. Aí não tinha mais jeito, mesmo que eu quebrasse feio, batesse no muro e um urso subisse nas minhas costas eu  terminaria aquela última meia maratona! Até ali estava tudo tranquilo, a pulsação média estava em 119 bpm.

O Guilherme, exercendo sua autoridade de "Capitão", postergou até onde ele podia o seu trecho de pacer, mas o André já estava fazendo hora extra e tinha chegado a hora do Capitão entrar na pista.

Do km 63 até o 74 foi meio "terra-de-ninguém" pra mim. Comecei a me sentir um pouco fraco e por mais que insistisse em correr, o ritmo da corrida estava arrastado. O Muknicka me passou nesse trecho, já estávamos quase juntos nos últimos 10 km e em uma andada para reabastecimento ele passou em um ritmo bem mais forte e consistente e não parou mais, só o vi de novo na chegada.

Entramos em uma zona residencial muito bonita e eu já não aguentava mais me arrastar. Decidi que caminharia até começar a me sentir melhor, aproveitei para admirar o visual das casas bonitas, lagos com fontes, rua limpa, calçada ampla, difícil de não gostar de um lugar daqueles! Ainda assim não dava para parar, reabasteci com um gel, um pão com geléia e generosos goles de Coca-Cola! Em menos de 15 minutos a situação começou a melhorar.



Faltando 10 km comecei a me sentir bem melhor e o pessoal da van resolveu revezar um pacer a cada km. Comecei a forçar o ritmo, a pulsação subiu para a faixa dos 130 bpm.  O volume da trilha sonora da "Rock´n´Roll Van" estava nas alturas com Rock´n´Roll Clássico da melhor qualidade!

Miguel Angel, um dos espanhóis, estava em maus bocados logo na frente. Sua equipe completa estava parando a cada 200 m para dar suporte. Parei um pouco para incentivá-lo, toda sua equipe estava fora do carro lhe dando assistência. Ao prosseguir com a minha corrida todos desejaram uma boa sorte para mim, um espírito Ohana que a gente não encontra em qualquer prova.

Com mais 2 km alcancei o jeep que estava fazendo o apoio do Hans Siemelink. Eu estava muito focado em manter o ritmo e curtindo cada minuto do final da prova. Em cada parada da van dava um gole na Coca-Cola e a equipe molhava a camisa ou o boné para manter o motor arrefecido.

Mais um km e eu e a Carol encontramos o Hans no último cruzamento grande. Alguns voluntários quando nos viram apertaram o botão de pedestre do semáforo mas esse foi demorado. Naquele ponto da prova eu estava até curtindo o descanso forçado pelo semáforo vermelho. Aproveitei e troquei umas palavras com o Hans, que me disse que estava tudo bem e feliz de que já estávamos na reta final. Passamos o cruzamento e continuamos puxando o ritmo. Mais um pouco a frente a Carol entrou e o Dave desceu da van para seu último turno como pacer. A festa dentro da "Rock´n'Roll Van" era incrível!

Eu e o Dave, naqueles poucos quilômetros tivemos uma conversa breve. É impressionante como poucas palavras podem ter tanta importância às vezes. Ele me disse que achava, até aquela manhã, que o limite era 42,195 m mas que depois de ver e participar do Ultraman ele estava começando a achar que aquele não era o seu limite, "Maybe there´s something else to be found beyond the Marathon, Mr. Marathon Man!" - eu disse a ele. Imaginem vocês que quando eu tinha 12 anos o Dave me convidou para uma corrida de 7 km no North Park, perto da casa dele em Pittsburgh-PA. Eu corri os primeiros 500 metros e me arrastei pelos 6,5 km em um andar/trotar, chegando morto ao final. Esse cara que me apresentou à idéia de "Road Running" e agora ele me dizia que estava pensando em ir além da Maratona?!?! Incrível!


Fizemos a última curva e entramos no trecho final de 3,5 km, a Lake Butler Boulevard, uma rua residencial muito calma e com pouco trânsito. Um trecho ótimo para eu poder curtir os últimos momentos com exclusividade com a "minha" equipe de apoio. Eles passaram de uma forma muito intensa aqueles três dias comigo mas não somente isso, também passaram quase um ano dando apoio nos treinos e doaram tão generosamente o tempo, carinho, cuidado e amor (e cada um pagou sua própria viagem) numa jornada para que eu conseguisse cruzar aquela linha de chegada que estava a poucos quilômetros dali. Aloha, Ohana e Kokua são as melhores palavras para expressar o que vocês fizeram por mim e por vários outros competidores nessa jornada.


Faltando 2 km a "Rock´n´Roll Van" se separou de mim e da Carol, a rua não tinha mais saída e eles iam dar a volta e me encontrar no final. Eu e a Carol continuamos e aproximadamente 1 km depois lá estavam eles. A Patty Baylor assumiu a direção da van e eles correram o último quilômetro comigo.

A emoção de chegar ao final daquela missão era indescritível, as pernas se mexiam sozinhas e eu me sentia como nunca. Durante 16 meses treinei muito, acordei cedo, venci a preguiça, fui dormir tarde, deixei de encontrar alguns amigos, ir a churrascos, sair nos finais de semana com a Carol, abdiquei de viagens e fiz muitos sacrifícios para realizar todos os treinos e de repente aquele momento havia chegado. Eu podia apostar que ia chorar mas não, a vontade não veio, não sei explicar, simplesmente não veio, apesar de toda a emoção. Olhando para o lado e vendo os quatro correndo junto comigo eu estava em paz, sentia uma felicidade e plenitude fantásticas, estava saboreando cada instante. Juntos fizemos um trabalho impecável, lutamos o bom combate e mantivemos a fé. Não, não fomos os primeiros a romper a linha de chegada mas demos o sangue e fizemos o melhor que podíamos fazer e... o melhor de tudo é que estávamos a poucos metros da chegada.

Avistamos a chegada. A inconfundível voz do Mr. Steve King nos mostrava que estávamos na direção certa. A Carol me passou a bandeira do Brasil que havia sido comprada meses antes especialmente para aquele momento. Ao me enrolar na bandeira me lembrei de todos os que estavam longe e que ao mesmo tempo estiveram junto comigo a cada dia dessa batalha contra os elementos da natureza, frio, calor, vento, subidas e sobretudo contra aquela  voz na dentro da cabeça que alimenta nossa insegurança dizendo: "É difícil, não vai dar, melhor nem tentar!".

Pisei no tapete verde e...


Fico imaginando se eu tivesse a chance de me encontrar em 1993, com 13 anos, quando comecei a fazer triathlon e falasse para aquele moleque: "Um dia você vai completar um Ultraman, e vai chegar bem!" Não sei se o "eu moleque" acreditaria. Mas foi o que aconteceu. Foram 3 dias em uma prova que trouxe de volta exatamente aquele clima mágico e único que sentia quando estava descobrindo o triathlon.

Depois de cruzar a linha de chegada pude finalmente cumprimentar todos e agradecê-los por tudo o que fizeram. O clima era muito gostoso e a festa só aumentava a cada um que chegava ao final.








Bernardo fez uma corrida fantástica e ficou na quarta posição, já estava nos esperando fazia tempo, Muknicka estava na cama de massagem e logo depois o Renato, que fechou a prova em sétimo, e o Diogo, décimo sétimo, chegaram. Foi muito bom ver todos ali, com algumas dores mas em boas condições e vitoriosos.

Faltando uma hora para o final Mr. Steve King convocou quem pudesse para ir na contramão dos corredores para incentivá-los. O Guilherme e o André partiram para essa nova missão. Eu disse ao Steve King que ele ficasse tranquilo, afinal de contas: "Eu mandei dois da melhor equipe de apoio do mundo e eles iam cuidar de tudo". Os dois e mais um batalhão realmente cuidaram, vejam a incrível chegada do Jonathan Oldfield, nunca um competidor de Ultraman chegou tão próximo do corte de 12 horas.



sábado, 21 de fevereiro de 2015

Segundo dia - Ciclismo - 275 km

Mais uma noite mal dormida. A ansiedade e a preocupação não me deixaram dormir direito. De qualquer forma mantive minha estratégia de deitar, relaxar e não olhar para o relógio.

Saímos um pouco antes das 6:00 do hotel e a temperatura era muito gelada. O café da manhã foi tomado dentro da "Rock'n'Roll Van" a caminho para a largada. O local da largada era o mesmo da chegada do dia anterior.

Chegamos com meia hora de antecedência, somente uns 5 times já estavam lá, fizemos o check-in, tiramos a bike da van e voltamos para dentro. A temperatura dentro do carro era MUITO mais convidativa do que a externa, que estava em torno de 6 graus.

Aos poucos outros times foram chegando e o dia foi clareando com a mesma preguiça que nós estávamos para sair da van.

Faltando 15 minutos comecei a vestir a roupa, exatamente a mesma que usei no dia anterior (foi lavada assim que eu cheguei ao hotel). Faltando 10' saí do carro e dei uma voltinha na bike. Vi que o espelhinho estava caindo.  Precisei da ajuda do capitão do time, que com toda sua destreza, um diploma de engenheiro mecânico e um pouco de silver tape resolveu o problema.

Engenheiro Mecânico ajudando no conserto do espelhinho.
Alinhamos para a largada na ordem de chegada do dia anterior. Renato Valler, paulista de Piracicaba, era o primeiro. O clima era um pouco mais descontraído do que no dia anterior mas sabíamos que ia ser duro, 275 km é muito chão pra qualquer um! Trung, passou conferindo todo mundo e liberou para a largada.

Minutos antes de alinhar para a largada.
Rindo um pouco antes de encarar os 277 km nesse frio todo!
Renato Valler com as cores verde e amarela e seu capacete inspirado no do Senna na pole-position

Gritos de incentivo, palmas e muito barulho antes da largada. As equipes de apoio e os voluntários da organização capricharam muito durante toda a prova para manter os nossos ânimos lá em cima, mesmo quando estávamos com dificuldades.


Contagem regressiva... lá vamos nós! 10, 9, ... 1... Foi dada a largada! Devagar entramos na FL 520, o Billy, que tinha feito o melhor ciclismo no dia anterior, saiu em um ritmo bem forte, ninguém se meteu a tentar acompanhá-lo. O restante do pessoal formou um grande pelotão. As instruções da quinta-feira eram de que nas primeiras 10 milhas o vácuo seria "tolerado", já que a largada seria em massa. Por prudência tratei de ficar entre os 3 ou 4 primeiros do pelotão, assumindo a cabeça do pelote por alguns quilômetros. Triatletas são seres que na sua maioria não sabem andar no vácuo ou ter etiqueta de pelotão, essas características são muito pioradas quando se fala de triatletas de longa distância.

Na saída do funil de largada.
No meio do pelote na FL-520.
Após sairmos da highway seguimos por estradas secundárias mais tranquilas. Grande parte das equipes de apoio estavam após a curva à direita, esperando o pelotão passar. Lá uns voluntários estavam nos instruindo a quebrar o pelotão e "spread out"!

Apesar das instruções senti que tinha gente que não tinha entendido (ou fez que não entendeu) e continuou mamando no vácuo. Eu e o Renato estávamos mais ou menos no mesmo ritmo, no entanto,  permanecíamos bem distantes entre nós, seja na regra do vácuo lateral quanto no traseiro. Depois de uns 3 ou 4 km virei para uns "vaqueiros" que estavam na roda dele e falei que não poderiam permanecer na roda, a "zona de vácuo tolerado" já tinha ficado pra trás. Foi a mesma coisa que falar: "Gruda na roda dele!", eles não só grudaram na roda do Renato como também na minha. Eu, sinceramente, não esperava isso de duas pessoas que toparam fazer um Ultraman. Em outras provas (alguém falou Ironman Brasil?) talvez tenha gente que ainda não tenha sacado que o grande barato do triathlon é superar as próprias dificuldades e limites, de acordo com as regras, mas em um UM isso é inaceitável! De qualquer forma eu não ia ficar gastando minha energia brigando e dando uma de fiscal da prova. Assim que o primeiro fiscal passou, viu aquela festa e deu uma dura nos vaqueiros, que se distanciaram e só nos vimos de novo no dia seguinte, nenhum vaqueiro chegou a menos de uma hora da gente no final.

"Renatão, tem gente mamando no vácuo..."

Lá pelo km 40 cruzamos com o Toni, o espanhol, na contramão. Ele estava voltando para encontrar sua equipe. O pessoal na "Rock´n´Roll Van" tratou de corrigir o rumo dele e ligar para a sua equipe de apoio, a notícia era de que eles tinham atolado o carro em uma das paradas. Um pouco depois a fiscal da prova veio avisá-lo em um semáforo vermelho que eu, o Renato e o Toni paramos. Prontamente disponibilizamos as nossas equipes para que ele pudesse seguir a prova até que a sua equipe saísse da lama.

O Ultraman tem como lema três palavras havaianas, "Aloha" (amor), "Ohana" (família) e "Kokua"(ajuda), graças ao azar da equipe do Toni, a equipe da "Rock´n´Roll Van" pode botar esse lema na prática e ele foi "adotado" pelas próximas horas até que seu apoio voltasse à ativa.




Passamos por lugares muito bonitos, na região próxima ao Lake Monroe árvores que quase fechavam um túnel em cima da estrada com muitas air-plants. Um cenário bem diferente da planície ou da serra que eu estava acostumado a treinar.

Visual dos túneis de árvores com as air-plants
Ao fundo a "Rock´n´Roll Van" com a melhor equipe de apoio do mundo!

A temperatura lá pelo km 90 já estava bem melhor, lá pelos 10 graus (parece piada), eu já tinha voltado a sentir a ponta dos dedos da minha mão. O pé continuaria gelado e insensível até o final do dia, mesmo com o aumento da temperatura.

Na altura do km 100 formávamos um grupo distante em poucas centenas de metros, o John, eu, o Renato, o Toni e o Bernardo. Era possível ver as vans de apoio dos outros atletas quando faziam o "leapfrog" para a próxima parada. Cada vez que cruzávamos com eles tínhamos uma nova injeção de ânimo. Vez ou outra, dependendo do ritmo de cada um e dos semáforos, eu alcançava quem estava da minha frente ou era alcançado. Bem no espírito "Aloha, Ohana, Kokua" todas as vezes que juntávamos em um semáforo trocávamos umas palavras de incentivo.

O ritmo estabelecido e mantido desde o início estava muito bom, o batimento um pouco abaixo de 130 bpm e a média horária (líquida) acima de 31 km/h. A equipe de apoio era precisa como um relógio no abastecimento. Fosse lá o que eu pedisse o atendimento era imediato. Isso ajudou demais!



Lá pelo km 140 fiz uma pausa para aliviar a bexiga. Ótimo, como no dia anterior, todos os sistemas estavam ok! Logo depois de voltar a pedalar senti que a sapatilha esquerda tinha se soltado, estranho! Clipei o pé no pedal de novo e tudo tranquilo!

No km 150 pedi um sanduba de pão, geléia e queijo, estava uma delícia mas... 10 km depois eu senti um refluxo e um pouco de fraqueza. Parecia que o sanduíche tinha travado um pouco a absorção de energia. Ao parar em um semáforo ao lado da van eu comuniquei à equipe, teríamos que acionar o plano B, Coca-Cola!

Aproveitei o sinal vermelho e verifiquei a sola da sapatilha esquerda: A ponta do taco estava rachada e muito gasta. Ao clipar no pedal fiz alguns testes e vi que se puxasse muito com a perna esquerda a sapatilha se soltava, não poderia exagerar nas subidas vindouras.

Uns 20 minutos depois de começar a tomar a coca eu já estava me sentindo bem melhor, com o nível de energia voltando ao normal.

Na quarta colocação iniciamos o único trecho de ida e volta do dia, 19 km na Dewey Robins Rd. e junto com ela iniciou-se o trecho de subidas e descidas, guardado pela equipe da direção da prova, com requintes de crueldade para os últimos 100 km de pedal. Aliviei um pouco o ritmo até o km 180 para voltar a me sentir 100%. No retorno estava a Jane Bockus, a dona da marca Ultraman, anotando as passagens dos atletas e nos incentivando. Logo depois do retorno fiz mais uma pausa, dessa vez para tirar o colete quebra-vento, a temperatura já estava acima dos 15 graus e eu não mais precisaria do colete. Como em uma parada de box de F1, enquanto eu tirava o colete e o entregava à Carol, o André abastecia a fuel cell do guidon com 500 ml de Coca-Cola e 750 ml de isotônico Gu Brew, apesar de estarmos nos divertindo muito ninguém estava de brincadeira!

Dewey Robins Rd. o início do sobe-desce.

Do km 200 pra frente foi só sobe-desce, passar pela Sugarloaf Mountain Rd. foi um alívio, nela estava a maior subida da prova, com direito até a foto oficial! Moer em uma subida daquelas com uma TT não foi mole, mas como o percurso foi bem plano no dia anterior e até o km 180 do segundo dia, valeu o desgaste nos últimos quilômetros por conta da velocidade e conforto oferecidos a mais pela TT. 

Socando o pedal na Sugarloaf  Mountain Rd.
Chegando ao topo da Sugarloaf

A Sugarloaf sem dúvida foi a mais difícil, no entanto, depois dela vieram outras muito inclinadas, no entanto, mais curtas. Outra subida digna de nota foi "The Wall", subi fazendo zigs e zags de tão inclinada, não era hora de dar uma de valente e atacá-la, já estava economizando e guardando energia para os 84,4 km de corrida do dia seguinte. O cuidado com o taco da sapatilha esquerda também deu certo, em nenhum momento ele desclipou.

No km 232 a tela do GPS deu pau e não aparecia mais nada, foi uma pena pois não consegui guardar todo o segundo dia em um só arquivo. Tanto no primeiro quanto no segundo dia eu fiz um upload do percurso para o 910XT e não tive nenhuma preocupação na navegação.

Da Sugarloaf (km 220) até o km 250 o asfalto ficou bem áspero e ficar na posição aero não era muito confortável devido às vibrações. O pneu dianteiro (700x20) estava com 155 psi e quicava muito. As descidas eram curtas e eu chegava com facilidade acima dos 55-60 km/h, o melhor a se fazer depois de 250 km era segurar bem no guidon e manter o controle da frente da bike, faltava menos de 50 km para o final e um descuido a uma velocidade daquelas poderia arruinar o resultado na prova e talvez até mais...



A partir da detecção do refluxo no km 160 eu parei de comer as Powerbars, a única comida sólida ingerida foi uns 3 ou 4 pães de forma com geléia (1 de cada vez). A ingestão de Gu Brew, a Coca-Cola e os géis Roctane foram intensificados para segurarem a onda, e seguraram!

Nos últimos km já passava por algumas ruas e estradas que coincidiam com o  percurso do dia seguinte. O terreno bem acidentado já anunciava o que teríamos pela frente nos primeiros quilômetros da corrida. A equipe de apoio me manteve avisado sobre a chegada. Até o km 240 ninguém tinha cruzado a linha de chegada. Um pouco depois, Billy fechou com 8:09', assumindo a ponta com uma folga de quase 50 minutos!

Faltando aproximadamente 10 km fiz a última parada, tirei a segunda camisa e a equipe de apoio foi embora para me encontrar na chegada. Rodei aqueles quilômetros sem fazer nenhuma força, curtindo o belo visual dos condomínios que passava e soltando as pernas para o dia seguinte.

Camisa do LD pra terminar bem o dia

Faltando duas curvas já era possível de ouvir "A voz do Ultraman", Steve King, o narrador itinerante que apareceu várias vézes durante o percurso. Minha mãe me aguardava na última curva e o todo o pessoal restante estava a postos na linha de chegada. Muito bom poder ver toda a equipe e ainda meus pais, Dave e Patty Baylor e a surpresa do Eric Baylor e a Tina, que subiram de Naples.



Cruzando a linha de chegada do segundo dia

A felicidade de ter fechado o segundo dia com o quarto melhor ciclismo e ter subido para sétimo geral era grande mas era maior a alegria de estar inteiro e sem nenhuma caimbra, ambas as pernas não estavam travadas e tudo indicava que o esforço tinha sido na dose certa.

A única dor era no dedão do pé direito, como se a sapatilha tivesse ficado apertada nos últimos quilômetros, vai entender!

Sway, Carol, eu, Guilherme, André e Trung após os 277 km

Em poucos minutos estava na maca de massagem com o Ben, mesmo massagista do dia anterior. A receita foi a mesma. Enquanto fazia massagem o capitão do time de apoio do Toni, que chegou logo depois de mim, veio me cumprimentar e agradecer, foi um prazer poder ajudar!

Na maca de massagem do segundo dia,
recuperando para os 84,4 km do dia seguinte.
O Bernardo e o Renato chegaram logo depois e só se ouvia aquela bagunça em português, muito legal! Cumprimentei-os e agradeci toda a torcida de seus times de apoio.

Despedimos do pessoal, entramos na van e rumamos para o hotel. Uma dose de Endurox R4 e um Muscle Milk para iniciar a reposição.

Chegando no hotel a equipe fez uma limpeza geral no carro, tirando todo o material do ciclismo e aliviando a carga da "Rock´n´Roll Van" para o dia seguinte.

Depois do banho uma refeição gostosa, um bifão de contra-filé, batata assada "loaded" e uma "garden salad".

21:00 desligamos a luz do quarto, era necessário dormir cedo para acordar cedo e correr muito no dia seguinte.

Tempos ao final do segundo dia.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Primeiro dia - Ciclismo - 148 km

Terminada a transição fui buscar a magrela, que já estava esperando pronta para engolir 148 km de chão. Meu melhor guia, a faixa do monitor cardíaco, foi esquecida no hotel. Um erro básico e que só não me custou mais caro porque o ciclismo é minha modalidade mais forte. Fui dosando em todo o ciclismo de acordo com a minha percepção do cansaço.

O link do percurso completo está no endereço http://ridewithgps.com/routes/6839972

No início do percurso tive que parar em muitos semáforos vermelhos, um verdadeiro castigo para quem está louco para ganhar estrada e terminar logo. Aproveitava cada pausa para tomar um pouco de isotônico ou água com calma.

Após 2 km já não sentia nada abaixo do calcanhar. A temperatura era baixa demais (para alguém que treinou no verão do Rio de Janeiro) para se pedalar e a sensação térmica com o vento era mais baixa ainda. Passei o resto do dia sem sentir meu pé.

No aeroporto, uma ida e volta de quase 20 km, do km 10 ao 30, pude cruzar com os atletas que estavam à minha frente e ver que todos estavam rodando forte e bem consistentes. Alguns acenaram me cumprimentando, no final das contas o maior adversário que você tem em uma prova dessa distância é você mesmo, vencer os próprios medos e receios é muito mais importante do que chegar na frente de qualquer um dos seus competidores. A maioria do pessoal já estava com esse espírito.

Na Narcoosee Road iniciou-se mais uma "no feed zone", um dos trechos onde a equipe não poderia me abastecer por não ter onde parar. O André estava me esperando na esquina, último ponto onde o abastecimento era permitido, com uma caramanhola cheia, garantindo assim meu combustível pelos próximos 23 km.

A Narcoosee é bem longa e muito movimentada, perdi a conta de quantos semáforos eu tive que parar. Quando via um sinal vermelho ou amarelo eu já ia diminuindo a velocidade e soltando as pernas. Foram vários testes de paciência.


Moendo os 148 km de pedal.
A região de Saint Cloud foi um colírio para os olhos. Em primeiro lugar porque pude reencontrar a equipe e me reabastecer, em segundo porque a Carol aproveitou alguns semáforos vermelhos e desceu do carro para conversar comigo, coisa bem pouco comum de se fazer durante uma prova, em terceiro porque o lugar é bonito mesmo, passar pela beira do East Lake Tohopekaliga foi muito bacana.

Um pouco antes de entrar na US-192, uma estrada bem movimentada, parei para aliviar a bexiga. Foi um alívio em todos os sentidos pois era sinal de que a quantidade de líquido que eu estava tomando era mais do que o que eu estava suando, sobrava até um pouco para o xixi. 

Ao entrar na estrada 192 eu estava bem encaixado na posição e confortável, sem problemas ou dores nas costas ou no pescoço, mantendo a posição clipado o tempo todo. Passei os 40 km da 192 com um ventinho cruzado/contra meio chato. O percurso foi todo extremamente plano, bom para elevar a média horária, mas não podia parar de pedalar um segundo sem perder o embalo. Uma descidinha de vez em quando faz bem!

A equipe foi me acompanhando e me abastecendo. Chegamos à conclusão que eles teriam que parar para me abastecer a cada 7 km (+ ou - 15 min) para que eu não tivesse nenhum problema de “pane seca”.

km 63 do pedal

A última vez que eu tinha sentido o meu pé foi antes de montar na bike. A temperatura já tinha subido para 16 graus mas a sensação térmica com todo o vento era cruel. As mãos não estavam tão mal quanto os pés mas ainda assim não era uma temperatura confortável de se pedalar. Para isso o capacete aero com a viseira é muito bom pois tem pouca ventilação e manteve bem a cabeça aquecida.

O penúltimo trecho do ciclismo era logo depois da 192, um segmento de 30 km rumo norte com vento na cara. Era uma estradinha secundária bem tranquila com um cenário rural, muito melhor de se pedalar do que na movimentada highway 192. Nessa estrada o time de apoio conseguiu me acompanhar bem de perto e, apesar do vento, consegui render bem. Não havia acostamento nesse trecho mas não foi necessário por conta do movimento baixo. Treinar na planície entre Macaé-Carapebus-Quissamã-Barra do Furado com o vento nordeste cruel fez aquele vento gelado da Flórida parecer uma leve brisa.


Rumo norte, últimos 30 km do primeiro dia.


Passei o Ariel Heller, um israelense muito sangue bom, enquanto ele fazia alguma manutenção na sua van de apoio. Logo ele reapareceu no meu retrovisor e pedalamos os últimos kms com poucas dezenas de metros nos separando. De certa forma foi bom ter um outro atleta por perto, no decorrer dos 146 km eu encontrei somente 3 deles.

O último trecho foi de pouco mais de 6 km, na highway 528, bem solto e curtindo a chegada ainda com luz do sol, uma das minhas preocupações pois sem sol a temperatura voltaria à casa de um único dígito.

A chegada foi uma delícia. A equipe chegou junto comigo e o tempo final oficial foi de 8:25'50" com a parcial do ciclismo de 5:08'13". Oitavo geral, nada mal para o primeiro dia! Na verdade, para mim foi uma surpresa estar entre os 10 primeiros, meu objetivo final continuava sendo completar a distância nos 3 dias dentro do limite de 12 horas em cada dia.

Cruzando a linha de chegada no primeiro dia.
Recarregando as energias depois da chegada.
A equipe de apoio junto com a Sway,
diretora da prova e ultra-veterana em provas de UM.

Estava muito frio e eu tratei de ir direto para a tenda aquecida de massagem, não tinha nada doendo, nenhuma cãimbra, nenhuma dor aguda, sendo assim a massagem foi básica mas feita pelo Ben Keyes no maior capricho, apenas aplicando pressão nos músculos principais para ajudar na circulação.


Assim que terminei a massagem entrei direto na "Rock´n´Roll Van" e rumamos para o hotel. Uma dose de Endurox R4, outra de Muscle Milk uns 20 minutos depois. Enquanto isso trocávamos impressóes de como tinha sido bom aquele dia. Fui me atualizando nos posts que todos fizeram sobre o Ultraman, quase outra maratona, mas essa era de energia positiva que todos os que estavam perto e longe mandavam por suas mensagens.

Chegando no hotel fui tomar um banho, enquanto isso com a maior eficiência, a equipe providenciou um peito de frango grelhado com salada caesar e um purê de batata no maior capricho! Hora de dormir e descansar, no dia seguinte um percurso de 275 km para rodar!

Primeiro Dia - 10 Km - Natação

Chegou a sexta-feira. Com o adiamento da largada para 9:00 conseguimos tomar café no hotel mesmo. Não consegui comer muito, estava muito tenso. Saímos do hotel 7:30 e chegamos com quase uma hora de antecedência. 

A temperatura era bem próxima de zero, difícil de não ficar preocupado! Fui até o lago sentir a temperatura da água, no caminho me disseram que estava entre 12 e 13 graus, o que serviu de consolo por estar mais quente que o ar. De qualquer maneira aquela seria a travessia mais fria da minha vida.

Eu e o Guilherme levamos a bike até o cavalete e abastecemos a “fuel cell” do guidon com água e GU Brew, um isotônico com uma concentração maior de carboidratos, pois devido o frio eu não suaria tanto mas precisaria de toda a energia.


Guilherme e André (fundo) levando o caiaque para a água.

Vesti a roupa de neoprene cuidadosamente empastelado de “geléia de petróleo” para não deixar o atrito da minha pele com o a roupa acabarem com a prova logo no início. Touca, luva, óculos, tudo ok! Vamos pra linha de largada!

O André já estava alinhado com o caiaque e estava quase na água. Eu, que já estava dentro d´água puxei o caiaque dele para que não molhasse o pé e ficasse passando frio pelas próximas horas. Mostrei os detalhes da manga da minha roupa de neoprene para que ele me localizasse mais facilmente. Ele saiu remando e os 39 caiaques ficaram boiando, aguardando a largada para cada um achar o seu respectivo atleta.

Chegando na rampa fomos convocados a ficar em um círculo e darmos as mãos pois seria feita uma prece. A diretora da prova, “Sway” leu algumas bonitas palavras desejando boa sorte e invocando seja lá qual entidade que acreditássemos para nos proteger, guiar e levar a gente até a linha de chegada dois dias depois.

Últimas palavras de boa sorte da diretora da prova.
Foto oficial dos 39 antes da largada.

Fotos oficiais foram tiradas e entramos na água, dava pra cortar a tensão no ar com uma faca. A contagem regressiva de 10 segundos se iniciou e em um instante me vi mergulhando naquela água gelada e iniciando a primeira perna daquela jornada.


Foi dada a largada!
Nossos apoios nos caiaques.
Vista da largada da torcida.

A largada foi bem tranquila. Larguei mais atrás e sem pressa. Diferente do Ironman, que tem mais 2000 atletas brigando por um espaço na água, nos distanciamos rapidamente uns dos outros. As luvas e a botinha de neoprene estavam cheias de água e, vencidos os primeiros 100 ou 200 metros, comecei a sentir que estavam atrapalhando mais do que ajudando. O frio não estava tão insuportável como eu previa e isso me acalmou muito.

Depois de uns 400 m o André emparelhou o caiaque comigo e eu pude parar um pouco e tirar as luvas e as botinhas. O pé ficou bem gelado mas as mãos se acostumaram com facilidade à nova condição.

Nossa estratégia era de que o André faria toda a navegação. Estando em cima do caiaque ele faria o papel de uma raia de piscina para mim. Essa foi uma das melhores estratégias pois quem não a adotou fez muito zigue-zague. A alimentação seria a cada 1000 m, o que eu já adotava nos treinos. Isotônico em todas as paradas e géis nas paradas pares. Nos 5000 meio sanduba com pão de forma, geléia e queijo. Na terceira e na sétima parada meia Powerbar.

Viramos os primeiros 1000 m na casa dos 17 min. Ritmo forte comparado com o que tínhamos previsto, o que preocupou o André. A previsão era de virar os 1000 m com 20’. Ele me pediu para aliviar um pouco o ritmo.


Visual do Lake Conway, caiaques e atletas.
Para fazer os 10000 m no Lake Conway é necessário nadar bem perto à margem e a grande vantagem disso é que fiz um tour panorâmico, me distraindo a cada nova casa ou quintal que aparecia entre as minhas braçadas e respiradas. Outra vantagem foi a possibilidade de ver o fundo do lago em grande parte do percurso, dando a sensação de que eu realmente estava evoluindo, o contrário é muito comum nas travessias, a gente nada, nada, nada e parece que não vai chegar nunca ao objetivo. Alguns peixes e muita vegetação me distraíam.

Com aproximadamente 2000 m fizemos a segunda parada quase embaixo da ponte onde muitos integrantes das equipes de apoio estavam. A Carol e o Guilherme estavam lá, na maior torcida e gritando palavras de apoio. Foi muito gostoso revê-los.






Fotos na passagem dos 2000 m na natação

Continuamos nadando/remando e os splits continuavam em torno dos 17’ – 18’/1000m. Com 5000 m, após uma breve pausa para comer o meio sanduba e passar mais lubrificante no pescoço, apesar de não estar me sentindo cansado, eu diminuí o ritmo mesmo. Ainda tinha muito chão pra me desgastar na natação e "jogar seguro" foi minha cartada.

Adiamos o reabastecimento dos 6000 m em alguns minutos para podermos parar perto da ponte e encontrar a Carol e o Guilherme mais uma vez e trocar uma meia dúzia de palavras.



A tal ponte onde o Guilherme e a Carol ficaram acompanhando
na torcida e me enchendo de ânimo nas duas passadas
A Carol passando frio esperando eu e o André passarmos.

Ao parar ouvi do Guilherme que estava em décimo terceiro! Uma surpresa boa e consequência de uma boa alimentação, ritmo dosado e navegação impecável do André.

A cada pausa nós conversávamos um pouco e o André fazia uns testes para ter certeza que eu não estava entrando em um estado de hipotermia. Contar de zero a dez, dez a zero, em português, em inglês, até japonês ele pediu, mas esse último eu não contei, falei umas palavras que não posso escrever aqui e continuei nadando. Embora pareça uma bobeira todo esse esmero mostra o nível de preocupação e que a equipe de apoio teve durante os três dias.


Alguém aí viu uma bóia?

Aproximadamente com 8500 m percorridos, antes da última bóia, passávamos bem próximo da margem em um ponto muito raso, aproveitei para variar um pouco e andei uns 10 ou 20 passos com a água no joelho. Foi muito bom dar uma variada na posição e soltar um pouco os braços, conversei um pouco com o André e ele me tranquilizou, me mostrando em que rumo estava a chegada.

Seguindo as orientações do André variei um pouco o estilo nos últimos 1000 m alternando o crawl com costas e peito.

Saí da natação após 5740 braçadas na décima colocação e muito feliz  (não é brincadeira, o GPS contou cada uma delas). A modalidade que tinha me deixado mais apreensivo nos últimos dias devido o frio tinha sido bem mais tranquila que o esperado. A equipe inteira junto com os meus pais, os Baylor e o Phil estavam me esperando na rampa. O Guilherme foi me contando da excelente performance dos outros brasileiros, Renato que tinha saído em primeiro e o Bernardo que saiu em quarto.




A saída da água.
A transição foi no porta-malas da “rock´n´roll” van, que foi deixada ligada e aquecida. Tirei a roupa de borracha e a Carol me ajudou a me secar. A temperatura tinha subido para 9 graus mas ainda era muito frio para ficar molhado e pegar todo o vento no ciclismo. Com muito cuidado para não fazer algum movimento brusco e de repente travar o ombro ou um braço, fui me vestindo, manguito térmico, duas camisas de ciclismo de manga longa, um colete quebra-vento, uma luva “full fingers” e uma meia de compressão. Abrimos o porta-malas quando já estava quase pronto e pude curtir um pouco da companhia daquelas pessoas tão queridas por alguns minutos. Entre uma peça e outra de roupa eu dava uma colherada em um “cup noodles” quentinho, uma delícia!

Renato saindo em 1o. lugar da água